Semana passada foi pesada.
A apresentadora Ana Hickmann sofreu uma agressão física de seu marido com quem foi casada por 25 anos. O filho do casal estava presente no ato; em São Paulo, uma trabalhadora do audiovisual sofreu uma agressão física de seu namorado durante seu período gestacional; na Itália, Giulia Cecchettin, uma jovem de 22 anos, foi morta pelo seu ex-namorado. Eles eram colegas no curso de engenharia biomédica na Universidade Pádua. O corpo dela foi encontrado com ferimentos feitos com o uso de uma faca. O crime provocou comoção na Itália e também movimentou a classe política. O ministro das Relações Exteriores e vice-premiê da Itália, pediu “desculpas às mulheres por aquilo que os homens fazem”.
“Não façam ‘um minuto de silêncio' por Giulia, mas queimem tudo e digo isso no sentido ideal para garantir que o caso de Giulia seja finalmente o último, agora precisamos de uma espécie de revolução cultural”.
[Elena Cecchettin, irmã de Giulia.]
» mulheres gostam de falar
Ainda que essas notícias saltem diariamente das telas dos nossos celulares, eu não descubro todo esse conteúdo sozinha. Nós, mulheres, temos uma comunicação constante. Se antes, quando adolescentes, passávamos horas no telefone fixo (para desespero dos nossos pais), ou, escrevíamos cartinhas pra trocar durante o recreio, hoje, além dos encontros presenciais, falamos bastante através dos grupos de WhatsApp. Mas sobre o quê falamos?
Cresci ouvindo que mulher adora uma fofoca. Sim, tem quem goste de fofocar e também tem quem não goste. Conheço muitas mulheres que não têm esse hábito. De qualquer maneira engana-se quem pensa que paramos por aí. Mulheres gostam de falar sobre tudo. Porque faz parte do nosso processo de elaboração dos sentimentos e das nossas ações. Fora que falar entre nós é uma forma de nos acolhermos. Por isso mesmo não nos censuramos. Puxamos assuntos diversos e não temos pressa em fechar todas as abas que abrimos. Através deste hábito nos tornamos também boas ouvintes. Mulher gosta de ouvir.
Inclusive, escutei esses dias um episódio incrível do podcast Vibes Em Análise, intitulado Conflitos do Masculino, em que ele atualiza a famosa frase que diz que homens não choram, com a provocação de que na verdade homens não falam.
» homens já sabem chorar
É verdade que muitos homens já choraram na minha frente e se colocaram bastante vulneráveis diante de mim. Foram momentos íntimos, em que eles se sentiram seguros comigo e eu me senti bem em poder oferecer esse suporte. Mas comecei a notar uma tendência. Na maioria dos meus casos, quanto mais eu fazia meus parceiros se sentirem à vontade para ser quem são comigo, mais eles se sentiam no direito de me desrespeitar. E isso me deixava confusa, porque eu achava que não merecia aquele tipo de tratamento, tão abaixo do que eu lhes oferecia. Comecei a entender que eles se acomodavam nessa dinâmica, confundindo aquilo que seria uma TROCA amorosa com um serviço que eu, como mulher, naturalmente deveria prestar. Cuidar deles os tornava, de alguma maneira, superiores, seres especiais e eu, automaticamente, perdia meu valor.
“O mito da virilidade em si é uma grande farsa, ou melhor, ele é construído em cima de muita humilhação do outro. É uma busca à completude narcísica que tem como preço ou como custo transformar várias outras pessoas em bode expiatório.
(…) Pra que esse modelo possa existir (capitalismo-patriacado) é preciso rebaixar ou mesmo humilhar e matar toda uma outra serie de corpos. Tem que estar abaixo! Como se a única fonte garantidora de auto estima fosse uma posição de superioridade em relação ao outro. Uma superioridade que é velada, não é falada, e que precisa acreditar que o outro não tem nenhum valor.”[Podcast Vibes Em Análise, ep: Conflitos do Masculino]
» o patriarcado quer uma “mãe”
Lembro que ao desabafar com algumas mulheres uma delas me disse que eu não era valorizada porque eu era muito maternal. Achei a frase dela bastante machista. Ela expôs ali um traço forte de como a nossa sociedade enxerga o amor e a gentileza. Como se esse tipo de atitude só pudesse ser exercitado pela figura da mãe. E uma mãe, para o patriarcado, tudo aguenta, uma mãe passa a mão na cabeça do seu filho ao invés de responsabiliza-lo.
Acontece que, por sorte, eu me lembrava de que eu ainda não era mãe e de que eles não eram mais crianças e sabiam muito bem o que estavam fazendo (principalmente quando estamos falando daquilo que os faz ir de encontro com seus próprios interesses).
Eu nunca esqueci o comentário daquela mulher, ele ressoava em mim toda vez que um homem me tratava mal sem nenhum motivo aparente (o quê eu fiz pra ele me tratar assim? fui legal ou maternal demais com ele?). Por outro lado também senti muito por ela, porque sei que esta mulher deixou escapar a maneira que ela encontrou de ser amada e respeitada por um homem: intimidando ele. Uma pena. Porque se um cara só te trata bem quando você o oprime, você não está num relacionamento verdadeiramente amoroso. Isso não é amor, o nome disso é jogo de poder.
» pra além do falo, sobre o quê eles falam?
Em teoria os homens até que falam, principalmente os que já conseguem chorar. São homens um pouco mais ‘desconstruídos’. Eles falam com seus terapeutas, com seus amigos, suas parceiras, a galera do trabalho, a família… A questão é sobre o quê falam. Eles estão genuinamente apropriados de seus discursos? Ou apenas reproduzindo aquilo que acham que todo homem falaria?