*contém spoilers*
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'It's not a reopening, it's a rebirth'
A segunda temporada de The Bear é, definitivamente, para os fortes. Terminei extremamente comovida. Os episódios têm em média 30 a 40 minutos, ou seja, não são tão longos, mas tive que ir aos poucos porque são muito densos.
Eu particularmente amei a primeira temporada e estava muito ansiosa para a estreia da continuação aqui no Brasil. E valeu cada segundo!
”Yes, chef!” - Agora o que acompanhamos é o processo para a reabertura do local, ou melhor, para a inauguração do novo restaurante, encabeçado pelo personagem protagonista Carmy e sua sócia, Sidney.
Primeiro, o alívio em rever os personagens antigos, as dinâmicas entre eles, as paisagens de Chicago e a trilha sonora deliciosa com nomes como Wilco, R.E.M., George Harrison, David Byrne, Pearl Jam, entre muitos outros!
”Mãe, você está bem?” - O ritmo acelerado e caótico característico da primeira temporada segue em muitos momentos, sobretudo no episódio 6, intitulado ‘Fishes’, um capítulo inteiro dedicado a um flashback de uma noite de Natal intensa e traumática da família Berzatto. (como toda noite de Natal deve ser… rs!)
Por outro lado, é perceptível uma diferença no ritmo da narrativa quando somos levados, delicadamente, ao universo íntimo de cada personagem. Alguns exemplos: no episódio em que Sidney encontra seu pai e depois faz um tour gastronômico pela cidade, no episódio em que Marcus viaja para Copenhagen, na oportunidade que Tina e Ebraheim têm de estudar gastronomia e quando Richie vai estagiar por uma semana num renomado restaurante, o mesmo que Carmy já trabalhou.
Richie no carro escutando Taylor Swift - Gosto muitíssimo das longas cenas sem texto, com trilha sonora e focadas no olhar de cada personagem. São praticamente videoclipes narrados pelo ponto de vista deles, são respiros que contrapõem as cenas verborrágicas. Geralmente acontecem em externas, ou, quando os personagens estão sozinhos.
”Every second counts” - Eu diria que para os roteiristas de The Bear, “Every character counts”, porque esse é um roteiro que valoriza t-o-d-o-s os personagens, sem exceção, e olha que são muitos! Os atores têm espaço para mergulharem em suas performances, têm tempo para sentir e construir com calma suas trajetórias. Sinto falta disso nas produções nacionais. Cada um deles têm o tal do tempo de tela para explorar suas complexidades. Até mesmo numa noite de ceia natalina, em apenas um episódio, conseguimos alcançar o buraco de cada componente daquela família.
Sprite caseira - Outra coisa que me encanta na série é a quantidade de mensagens profundas que se apresentam através das escolhas conscientes de encenação, como na cena em que eles precisam pedir um empréstimo para o tio e, enquanto isso, um alarme dispara, ou, quando Carmy está começando a se abrir emocionalmente com uma garota já conhecida e, ao fundo, pela janela surgem fogos de artifício. São detalhes que ilustram com sutileza a humanidade dos personagens. Destaco duas que me emocionei muito: Marcus ajudando um senhor que caiu de uma bicicleta e a intimidade de Richie e sua mulher na noite de natal: ela está no quarto descansando, pois está enjoada por conta da gravidez, e ele sobe para cuidá-la, ela faz carinho no rosto dele, ele deita nela… tudo muito próximo da vida real, não porque seja real, mas porque foi feito com sensibilidade.
”Sinto que perdi muita coisa” - Surge na vida de Carmy uma nova relação, na verdade, uma antiga. É Claire, uma amiga de infância. Desde o início fica evidente o quanto Claire está disponível e apaixonada por ele e o quanto ele não está pronto para viver esse compromisso. Não porque ele não queira, mas porque para ele é preciso muito mais força para se entregar do que pra ela e ele precisa dessa força para o seu projeto de vida. Confesso que me incomodou um pouco a ideia que ficava no ar de que era ela quem tirava o foco dele do seu ambiente profissional. Primeiro porque isso é recorrente com relação aos homens, do tipo: ‘preciso focar no trabalho’ é a nova justificativa para não se conectar profundamente com alguém. Claire estava conectada com ele e ainda assim não deixou de atender nenhum de seus pacientes; e segundo porque acabou que ele não fez nem uma coisa e nem outra.
Mas depois de terminar a serie entendi que Claire surgiu como uma luz (Claire, rs!), ela só iluminou justamente um padrão de Carmy e de sua família. A dificuldade em demonstrar amor sem machucar-se ou machucar o outro. A dificuldade em criar vínculos amorosos. Não se sabe com detalhes a história de sua mãe, mas nesta temporada é ela quem reforça essa ideia. Ela cozinha para toda a família com uma energia agressiva, reclamando, está em surto por não se sentir amada. Ela atravessa a casa com um carro, a maneira mais concreta que encontra para destruir simbolicamente a instituição família. Não porque ela não os ame, mas porque essa é a sua maneira de demonstrar o que sente por eles. Típico de famílias italianas, rs! Ela aparece na porta da inauguração do restaurante dos seus filhos, mas decide não entrar. Porque ela quer ser lembrada pelo que não fez, pelo dia em que não apareceu. Os vínculos entre eles são formados pela ausência do gesto amoroso, as relações se dão por jogos de poder. Jogam na cara um do outro o que um fez pelo outro, - eu cozinhei pra vocês! São barganhas; ou pela culpa, a culpa de não ter feito nada enquanto todos estavam vivos, mas curiosamente seguem sem fazer muita coisa. Há uma cena em que Carmy diz para sua amiga que não quer ser um babaca, ao que Sydney lhe responde: - então não seja. Porque não há tempo a perder! Enquanto Carmy espelhar esse resquício familiar ele não vai transformar a dor, ele não vai agir. Ele vai se boicotar a ponto de se prender no lugar mais frio possível. Ele não vai achar que é merecedor não somente de Claire, mas de um restaurante que funcione, de uma vida mais pacífica e abundante, porque ele lamenta que sua mãe, seu irmão, não tenham tido isso. Não é coincidência que enquanto ele está trancado em uma câmara fria, sua mãe passa frio do lado de fora do restaurante. Nenhum dos dois consegue, de fato, entrar no restaurante (se entregar), que é apenas uma metáfora daquilo que foi construído em conjunto, algo que foi construído com amor.
Richie, desta vez, destoa de tudo isso,